A sobriedade faz-nos crescer
La Stampa, 3 Julho 2011
de ENZO BIANCHI
Mais do que contentarmo-nos com o que temos ou que não desperdiçarmos, a sobriedade tem uma dimensão interior, corresponde a um modo de ver a realidade que discerne o que nos faz verdadeiramente falta, evita os excessos e sabe dar o justo valor às coisas e às pessoas.
La Stampa, 3 Julho 2011
“O P.I.B. mede tudo excepto aquilo que torna a vida digna de ser vivida. Pode dizer-se tudo sobre o nosso país mas não podemos estar orgulhosos da nossa cidadania”. Recordo-me expontaneamente do discurso que Robert Kennedy proferiu na Universidade de Kansas em Março de 1968 – apenas 3 meses antes de ser assassinado – cada vez que ouço falar de manobras fiscais, crescimento económico, desenvolvimento sustentado, deficit público... Sim, porque creio que sejam argumentos que não dizem apenas respeito aos políticos e aos economistas, mas que deveriam abrir uma reflexão sobre a qualidade da nossa vida quotidiana e da convivência na sociedade civil. E temáticas deste gênero deveriam ser abordadas com um olhar amplo, não limitado a confrontos fáceis entre economia de mercado e estado social ou improváveis alternativas entre crescimento do consumo e pobreza eminente.
Em particular, valeria a pena redescobrir a valência de um estilo de vida e de um comportamento na relação com os bens materiais e o seu uso que - como observou o Cardeal Tettamanzi – é “sinal de justiça antes mesmo de ser virtude”: a sobriedade. Bem mais do que o simples contentar-se com o que se tem ou com a capacidade de não desperdiçar, a sobriedade tem uma dimensão interior, corresponde a um modo de ver a realidade envolvente que discerne o que nos faz verdadeiramente falta, evita os excessos, sabe dar a medida justa às coisas e às pessoas.
Sobriedade a nível pessoal significa reconhecimento e aceitação do limite, consciência de que nem tudo o que tenho a possibilidade técnica e económica de obter, devo forçosamente possuir: a capacidade de renúncia voluntária a qualquer coisa em nome de um princípio eticamente mais alto obriga a interrogarmo-nos sobre a escala de valores sobre a qual julgamos as nossas acções e as dos outros. A moderação não é uma indiferença que se anicha num pretenso "meio termo", mas a força de ânimo de quem sabe submeter alguns desejos para valorizar outros, de quem sabe reconhecer o valor de cada coisa e não apenas o seu preço, de quem orienta a sua existência para horizontes não obsessivos de "mais e mais", de quem sabe dizer com convicção "não tudo, não já, não sempre, mais e mais!". Sobriedade é a força interior de quem sabe desviar o olhar do seu interesse particular e enche o coração e o peito de uma dimensão mais ampla.
A "crise" que vivemos desde 2008, na verdade germinava desde há algum tempo: quem observava a situação ecológica, quem não era cego diante da crise alimentar, podia talvez prever a crise financeira, consequentemente monetária e económica. Mas quem tinha e tem olhos capazes de discernimento podia porém intuir uma crise bem mais profunda, uma crise espiritual, uma crise da humanização, um avanço da barbarie. Depois da queda do muro de Berlim, houve um erro, uma confiança desmesurada no mercado que parecia garantir o estilo de vida consumista a que nos tinhamos habituado nas últimas décadas...Ora não se trata de voltar atrás, mas de voltar ao centro, ao eixo que permite à política tornar possível o que é justo, devido e necessário ao "bem-estar" autêntico; de voltar ao eixo em que economia de mercado e solidariedade, competitividade e coesão social possam interagir e ser coerentes com a procura de qualidade da vida humana e da convivência social. Só considerando estas instâncias se poderá sair da actual falta de visão sobre o futuro e elaborar e realizar um projecto de sociedade à dimensão do Homem. De outra forma continuar-se-á a disseminar germes de desconfiança, sobretudo nas novas gerações, que intuem a necessidade de não reduzir o homem a produtor-consumidor mas que todavia dão-se conta da sua impotência.
Nesta busca, justiça e solidariedade são elementos que encontram na sobriedade estímulo e sustento. E se isto era verdade numa sociedade rural, dotada de meios escassos, é-o paradoxalmente, e ainda mais, num mundo e numa economia globalizados. Com efeito, a sobriedade não é apenas bitola para os nossos comportamentos mas é também consciência do nosso profundo e inextinguível vínculo com as gerações que nos precederam, com aquelas que virão depois de nós e com quantos, nossos contemporâneos habitam conosco o mesmo planeta. No uso dos bens de que disponho e nas aspirações colectivas não posso ignorar a necessidade de uma distribuição equitativa dos recursos: munir-se do melhor, desfrutar o planeta, desinteressar-se pelas consequências imediatas e futuras das minhas acções significa alimentar injustiças que, mesmo que não se voltem contra quem as faz, desfiguram a humanidade e ofendem a própria criação.
Apenas esta concepção de sobriedade pode garantir um caminho seguro de solidariedade humana ou, para usar uma linguagem cristã, de uma "comunhão universal". E esta solidariedade não é tanto o cerrar fileiras da parte de um grupo social para se defender de um inimigo comum ou de uma adversidade partilhada, não é apenas a reacção espontânea e generosa diante de um desastre, mas é - a montante destas coisas - a percepção de que os nossos sócios na aventura humana são todos aqueles que nos precederam, trabalhando e lutando para nos deixarem condições de vida menos precárias, são todos os que virão depois de nós e aos quais entregaremos um património "esprimido até às últimas" e são também aqueles, muito presentes nos nossos olhos, que, próximo ou longe de nós, não dispôem de bens essenciais para uma vida digna e pagam, na sua pele, os privilégios de que disfrutamos e que queremos continuamente aumentar.
Se não esquecessemos esta solidariedade geracional e mundial, a sobriedade aparecer-nos-ia então como o único estilo de vida capaz de restituir, a nós mesmos, em primeiro lugar, dignidade humana e o sentido de existência. Nesta linha de raciocínio, sobriedade e desenvolvimento não são antitéticos se por desenvolvimento não entendermos crescimento contínuo e acumular sem cessar, mas sim o disseminar por completo das potencialidades do ser humano, um florescer dos recursos escondidos em cada um de nós que o mesmo "decréscimo" alimenta com a sua busca do essencial. Na verdade, a sobriedade fornece-nos os instrumentos para nos medirmos a nós próprios e a nossa relação com "aquilo que torna a vida digna de ser vivida".
Enzo Bianchi
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