A espiritualidade de quem não crê
La Repubblica
13 dezembro 2012
de ENZO BIANCHI
Não esqueçamos que a humanidade é apenas uma, que dela fazem parte religiões e irreligiões e que, contudo, nela é possível, para os crentes e não crentes, um caminho espiritual, entendido como uma vida interior profunda, como fidelidade-empenho nos acontecimentos humanos, como procura de serviço aos outros, atenta à dimensão estética e à criação de beleza nas relações humanas.
Não surpreende que num país como o nosso - onde não existe, desde há quase 30 anos, uma "religião de estado", mas onde não existe ainda uma lei específica sobre a liberdade religiosa - cada discussão sobre a laicidade do estado e sobre os direitos individuais e colectivos dos crentes possa provocar um curto-circuito. De imediato se juntam adjetivos qualificativos à laicidade ou se a circunscreve a um laicismo pejorativo, tornando quase impossível o desenvolvimento e a adaptação às condições sociológicas do nosso país, daquela convergência de valores e intenções que o legislador sabiamente reconstruiu sobre os despojos da guerra. Com a fúria de reduzir a presença do estado e ao mesmo tempo de lhe pedir que fosse o garante de uma ética religiosa; de confundir a soma dos bens privados com o bem comum, falhou a coesão social e o espaço comum em que cada um pode contribuir para o crescimento humano e espiritual da sociedade, foi atrofiado.
Com efeito, o estado laico não pode limitar-se às funções de quem regula o tráfico de uma sociedade civil que se moveria segundo diretivas próprias, múltiplas e desligadas de um interesse coletivo. Não pode haver distanciamento ou neutralidade da parte do estado; pelo contrário, o esforço quotidiano de transpor para um quadro legislativo respeitado por todos os cidadãos, homens e mulheres, aqueles princípios e valores democraticamente entendidos como basilares. Para fazer isto é indispensável encontrar e utilizar modalidades laicas para discernir o que é bom para uma população e o que prejudica a sua convivência, que adaptações inventar para que o sonhado não mate o possível.
Uma ética partilhada não é uma utopia: trata-se pois de a individualizar, de a presseguir, de a garantir com os meios adequados a um estado não-confessional que considere uma sociedade plural, de religiões e culturas. Não esqueçamos que a humanidade é apenas uma, que dela fazem parte religiões e irreligiões e que, contudo, nela é possível, para os crentes e não crentes, um caminho espiritual, entendido como uma vida interior profunda, como fidelidade-empenho nos acontecimentos humanos, como procura de serviço aos outros, atenta à dimensão estética e à criação de beleza nas relações humanas. Estive sempre convencido que existe também uma espiritualidade dos agnósticos, de todos aqueles que estão à procura da verdade porque estão insatisfeitos de verdades "absolutas": é uma espiritualidade que se nutre de interioridade, de procura de sentido, de confronto com a experiência do limite e da morte.
Trata-se de ser fiel à terra e à humanidade, vivendo e agindo humanamente, crendo no amor, palavra hoje tão gasta que quase privada de significado, mas a única palavra que resta na gramática humana e universal para exprimir o "lugar" a que o ser humano se sente chamado. De resto a fé – esta adesão a Deus sentido como uma presença sobretudo devido ao envolvimento que o cristão vive com Jesus Cristo – não está na ordem do "saber" nem na da aquisição: crê-se em liberdade, acolhendo um dom que não se pode dar por si. Analogamente os ateus, na ordem do saber não podem dizer "Deus não existe": é, de facto, uma afirmação possível apenas no âmbito da convição. Pode-se negar Deus ou fazê-lo sem pensar em si próprio, como Deus? Sim, é possível e a história demonstra-o.
De resto, o cristianismo reconhece que o Deus em que crê, está presente e age também na consciência de quem não crê, porque cada ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus e contém em si a fonte do bem. A laicidade do estado é então aquela opção de fundo que permite reinventar continuamente instrumentos partilháveis e linguagens compreensíveis por todos, garantir diretivas de liberdade e de não-abuso, defender a dignidade de cada um, a começar por aqueles a que é negada, permitir que cada um procure, também com os outros, um sentido para as suas próprias vidas.
ENZO BIANCHI
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