Um Sínodo conciliar

DM, 08 de Outubro de 2015
DM, 08 de Outubro de 2015

Diário do Minho, 08 de Outubro de 2015
por ENZO BIANCHI
(trad. Flávia Barbosa)

Neste Domingo, iniciou-se um Sínodo que – da forma como foi pensado e desejado pelo Papa Francisco – se assemelha muito a um Concílio: duas sessões-assembleias à distância de um ano, dedicadas ao mesmo tema da família, amplo envolvimento das Igrejas locais, discussão aberta ao nível de teólogos e de pastores, parrésia no debate desejada e favorecida pelas modalidades de trabalho...

Assim, o Sínodo apresenta-se, apesar de todas as inevitáveis pressões mediáticas, essencialmente como evento eclesial, colocado sob o primado do Evangelho e guiado pelo Espírito Santo, invocado na liturgia que abre não só os trabalhos da assembleia, mas, antes ainda, os corações e as mentes dos Padres sinodais. É ao Espírito que a Igreja inteira é chamada a tornar-se dócil, e é para tentar “escutar o que o Espírito diz à Igreja” que os bispos se reuniram em torno do bispo de Roma, o servidor da comunhão, o sucessor de Pedro, “servo dos servos de Deus”. Escutar a voz do Espírito que ressoa ainda hoje é, então, a principal razão dessa cúpula celebrada numa temporada marcada por uma mudança antropológica rápida e complexa, inesperada até por aquela Igreja que, há 50 anos, terminava o longo, cansativo, mas fervoroso e fecundo trabalho do Concílio Vaticano II, um trabalho de “actualização” e de reforma de si mesma, da sua vida no mundo e do seu ensinamento doutrinal e moral.

Os Padres sinodais deveriam fazer com que conflua no Sínodo o seu pensamento de bispos e de pastores, mas, justamente para isso, também ser o eco dos trabalhos e da fermentação suscitados nas Igrejas locais, no povo de Deus, através da palavra dada aos fiéis leigos, a homens e mulheres que quotidianamente tecem a trama do seguimento de Jesus nas estradas do mundo. Na Itália, esse trabalho preparatório pareceu ser menos convicto e generalizado do que o realizado em outras áreas geográficas e culturais até mesmo não muito distantes do nosso país – pense-se na França, na Alemanha, na Bélgica... –, mas o apelo premente do papa visava justamente fazer com que os bispos que participariam do Sínodo fossem capazes de tornar eloquentes diante do Evangelho as diversas situações vividas concreta e quotidianamente por pessoas que conhecem as alegrias, as promessas, mas também os fracassos e os sofrimentos da família.

O ponto decisivo é este: narrar a imutável boa notícia da mensagem cristã com palavras, gestos, atitudes, isto é, com uma “linguagem” capaz de falar ao coração e à mente dos homens e das mulheres de hoje, de reaquecer esses corações e de esclarecer essas mentes. É preciso olhar para as pessoas com o olhar que Jesus tinha, Ele que se interessava primeiro pelo seu sofrimento e, depois, chamando o pecado pelo nome, anunciava ao pecador o perdão e a misericórdia de Deus, daquele “Pai seu” que não quer a condenação do pecador, mas sim que este se converta e viva em plenitude. Haverá tempo nestas três semanas de trabalhos sinodais para entrar novamente no mérito das questões tratadas. Hoje, parece-me bastante decisivo insistir no método: o Sínodo não é um parlamento, nem um congresso científico, nem uma assembleia de partido. Em vez disso, é um evento eclesial, onde os bispos, cum Petro et sub Petro, exercem colegialmente o seu ministério a serviço da comunhão eclesial, onde explicitam o cuidado das pessoas que lhes foram confiadas e assumem a “corrida da Palavra”, do anúncio do Evangelho a toda criatura.

Para reiterar o que já foi fixado no Código de Direito Canónico, não há a necessidade de um Sínodo: o Sínodo serve para que nos conscencializemos juntos – bispos e povo de Deus – que, como dizia o Papa João XXIII falando do Concílio, “não é o Evangelho que muda, somos nós que o entendemos melhor”. Portanto, trata-se não de contradizer a palavra de Deus sobre o matrimónio e sobre a radicalidade exigida a cada discípulo seu, mas de afirmar a misericórdia e o perdão de Deus que quer reinar quando a lei foi rompida, lá onde quem pecou está consciente da responsabilidade, do amor autêntico, da reciprocidade do dom, das exigências do seguimento cristão.

Como não desejar que, em certos casos, nos quais os juízes são a Igreja e a consciência das pessoas envolvidas, se encontrem modalidades para garantir uma vida eclesial plena, na qual os sacramentos sejam um autêntico bálsamo para as feridas, viático rumo ao reino de Deus, penhor de um novo céu e de uma nova terra?