A Lectio Divina, experiência de Israel e da Igreja
Já na antiga economia (história de Deus com) de Israel, rezava-se com a Palavra e ouvia-se a Palavra na oração. Podemos ler a descrição desta prática comunitária no cap. 8 de Nehemias. Tal método que prevê a leitura, a explicação e a oração tornou-se a forma clássica de oração no Judaísmo passando depois para o Cristianismo (cf. 2 Tm 3,14-16); método não descrito mas testemunhado em diversas partes do Novo Testamento.
Gerações de cristãos continuaram a rezar assim, sem ceder a uma piedade não bíblica ou que não reconhecesse a supremacia da Palavra na vida de oração da Igreja. Todos os Padres da Igreja do Oriente e do Ocidente praticaram o método da Lectio Divina, convidando os fiéis a fazerem o mesmo nas suas casas, deixando-nos os seus explêndidos comentários das Escrituras. O que dizer então dos monges? Estes fizeram da Lectio o centro das suas vidas, no deserto e nos cenóbios, chamando-lhe a ascese do monge, o seu alimento quotidiano, seguros de que "não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus."(cf. Dt 8,3 e Mt 4,4). A um certo ponto, sentiram também necessidade de conservar por escrito o seu método para ajudar os neófitos neste conhecimento da Palavra no Espírito que não apenas santifica mas também diviniza.
Orígenes propondo a theìa anâgnosis à escola dos rabinos judeus, Jerónimo ritmando a leitura com a oração, Cassiano ilustrando a meditatio, Guido II, cartuxo indicando-a como «Scala del Paradiso» para os monges, Bernardo cantando-a como mel para o palatum cordis, Guillerme di Saint-Thierry na Carta d'ouro e muitos outros fixaram os termos da lectio divina, estimulando os crentes a percorrê-la como via aurea do diálogo e do inefável diálogo com Deus.
Até 1300 este método nutriu, de facto, a fé de gerações inteiras e até Francisco de Assis a praticava com regularidade. Depois, na Baixa Idade Média, assistiu-se à desvirtuação da Lectio Divina com a introdução da quaestio e da disputatio. Foram séculos que eclipsaram a Lectio e ofereceram, como alternativa, a devotio moderna e a meditatio ignaciana, uma oração mais introspectiva e psicológica. Apenas nos Mosteiros e junto dos Servos de Maria este método foi conservado na íntegra para reflorescer epifanicamente proposto pelo Concílio Vaticano II na Dei Verbum 25:
«É necessário que todos mantenham um contacto íntimo com as Escrituras, mediante a Lectio assídua e a meditatio atenta... e que se lembrem que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada da oratio».
Foi certamente o Espírito Santo que quis que esta forma de escuta e oração da Bíblia não se perdesse no tempo.
ENZO BIANCHI, Pregare la Parola. Introduzione alla «lectio divina»,
Piero Gribaudi Editore, Torino, 1990, pp. 88-89