Cinquenta anos de aventura monástica e ecuménica
In Ação Missionária, Janeiro de 2016, p. 12
de Guido Dotti
Bose é uma comunidade de homens e mulheres provenientes de diversas igrejas cristãs (católicos, ortodoxos e protestantes), unidos na fraternidade, no celibatoena obediência ao Evangelho.
A história começou a 8 de Dezembro de1965. No mesmo dia em que o Papa Paulo VI encerrou o Concílio Vaticano II, o jovem de vinte e dois anos chamado Enzo Bianchi retirou-se para viver numa pequena casa sem luz e sem água corrente, no lugar de Bose, aldeia de Magnano, perto de Turim. Enzo era um dos estudantes mais brilhantes da Faculdade de Economia, um líder nato da Juventude Católica Universitária, com um futuro prometedor na política, na Democracia Cristã. Porém,ele e um grupo de amigos católicos, valdenses ebaptistas, depois de anos de oração e reflexão, alimentavam outro projecto: fazer uma experiência radical de vida cristã na simplicidade e na fraternidade do monaquismo.
Durante quase três anos, Bianchi visitou mosteiros ocidentais e orientais e estabeleceu uma profunda amizade com fr. Roger Schutz, prior de Taizé. Mas, sobretudo, viveu “retirado” em Bose que, na época, não constava no mapa... No início, as suas ideias suscitaram críticas e, em 1967, o bispo local chegou mesmo a proibir qualquer celebração litúrgica em Bose, a causa da presença de não-católicos. Então, uma das figuras mais importantes do episcopado italiano, o cardeal Michele Pellegrino, arcebispo de Turim, anulou a proibição, tomando a iniciativa de visitar Bose em Junho de 1968 e celebrando ele mesmo a Eucaristia.
Nesse mesmo ano chegaram a Bose os primeiros irmãos e nasce propriamente a comunidade: chegaram quatro, dos quais dois eram católicos e dois protestantes, dois italianos e dois estrangeiros, dois homens e duas mulheres. Esta feliz mistura de nacionalidades, géneros e tradições constituiu o núcleo daquilo que virá a ser Bose: um lugar reconhecido de diálogo e de fraternidade, uma ponte entre o Oriente e o Ocidente cristãos, um centro de estudo e reflexão sobre a fé no terceiro milénio. A arquitectura da igreja exprime essa vontade de acolhimento: um espaço “inclusivo”, com uma grande sobriedade que evita símbolos ou imagens que possam ferir a sensibilidade de alguma tradição cristã e contém apenas um grande crucifixo sobre o altar, sinal partilhado pelos cristãos das diversas confissões.
Hoje somos perto de oitenta monges e monjas de sete países (Itália, Suíça, Luxemburgo, França, Ucrânia, Espanha e Portugal) e temos uma pequena presença em Jerusalém e quatro fraternidades na Itália. Cada membro possui um trabalho: nas oficinas, no horto, no pomar, no estudo, na biblioteca, etc. Porém, a principal actividade – na qual todos participam – é o acolhimento de hóspedes dos cinco continentes (cerca de 25 mil cada ano, entre os quais um grande número de scouts e jovens das paróquias), ritmado pela lectio divina e a oração dos salmos. A comunidade tem recebido o dom imerecido da visita fraterna e da amizade de personalidades de diversas igrejas como os cardeais Martini, Kasper, Ravasi, o abbé Pierre, o patriarca de Constantinopla Bartolomeu, o patriarca de Antioquia Inácio IV, o patriarca copto de Alexandria Tawadros II, o primaz de Cantuária Rowan Williams e figuras da cultura como o músico ArvoPärt. A comunidade organiza também congressos ecuménicos de espiritualidade ortodoxa e protestante, conferências e retiros. Mas, sobretudo, tenta “viver o ecumenismo como um trabalho de cada dia” (Regra de Bose § 43).
Guido Dotti, monge de Bose